segunda-feira, 8 de junho de 2015

Contra a "bufferização" do geoprocessamento!

O buffer, definitivamente, não é a alma do geoprocessamento. Neste mundo de pensamento binário, o buffer é a binarização das análises de distância... 

É comum vermos trabalhos que resolvem todo o tipo de problemas com o cálculo de faixas de entorno (buffers) em distâncias pré-definidas. Buffers múltiplos então, são para muitos a solução de todos os problemas espaciais possíveis... 

Vejamos... Para começar, trago e excelente discussão conceitual do Longley (2005) sobre a importância de definirmos se o fenômeno ou feição que queremos mapear são, na sua essência, objetos discretos ou campos contínuos. Veja que isto nada tem a ver com softwares, com raster, vetor ou representações computacionais. Objetos têm seus limites bem definidos, e estão dispostos sobre o espaço vazio. Entre um objeto e outro, não há nada. Campos são fenômenos, que têm seus valores distribuídos de forma contínua no espaço geográfico considerado. Um modelo digital de terreno é um exemplo de campo, em que temos as altitudes/profundidades para qualquer ponto dentro do espaço. As quadras de uma cidade, objetos discretos, com limites definidos. Entre uma quadra e outra, não há nada. Se você não compreende os conceitos de campos X objetos, pára tudo, estude, leia e compreenda, antes de começar a clicar freneticamente no QGIS ou ArcGIS.

Voltamos para o buffer. Todos concordamos que a distância a uma determinada feição é um campo contínuo, correto? Vamos pegar o exemplo de torres eólicas no balneário Cassino. A cada passo que damos a partir da torre, mais distante estamos dela, certo? Quando criamos um buffer, digamos, de 400 metros, estamos discretizando este dado contínuo. Dizemos que tudo que está entre 0 e 400 metros é igual. E o que está a mais de 400 metros é diferente, portanto estamos igualando 400 metros a 20 km... E estamos dizendo que 399 é diferente de 401 metros. 

Parece mais razoável tratarmos disso como um campo contínuo. Computacionalmente, podemos gerar um raster em que cada número digital vai representar a menor distância a qualquer uma das torres, ao longo de toda a nossa área de estudo. Chamamos de distância euclideana, porque somente vai considerar a distância horizontal, num mundo plano. Em áreas com grandes variações de relevo, para muitos casos, a distância euclideana não vai servir, e teremos que calcular a distância em 3 dimensões. 

E, na maioria dos casos, a distância em linha reta não vai servir, e teremos que fazer análise de redes. Distância em linha reta serve para navegação nos oceanos, para dispersão de poluentes atmosféricos. Mas não serve para deslocamento em terra, que deve levar em consideração as estradas. Dificilmente nos deslocamos em linha reta... Portanto, análise de redes, custo de percorrimento, impedância... 

E quando utilizar buffer? 

Na minha sincera opinião, APENAS nos casos em que há uma legislação que estabelece uma distância mínima. Porque as leis são binárias!

Por exemplo, Áreas de Preservação Permanente (APPs) de rios. A lei diz que, para rios de até 10 metros de largura, não pode construir nem modificar nada a 30 metros da margem. Portanto, a 29 metros não pode, a 31 pode. Portanto, é binário, é discreto, não contínuo. Temos vários outros casos, faixas de domínio do DNIT e DAER, áreas da união (terrenos de marinha) e um monte de outros casos. No exemplo deste post, a lei diz que não pode haver área urbana a 400 metros das torres, portanto, buffer.

Fica a dica, se tu pensa fazer buffer múltiplo (multiple ring buffer), podes ter certeza de que o que queres é a distância euclideana! 

LONGLEY, P. A. et al. Geographic Information Systems and Science. 2a. ed. Chichester, England: Jonh Wiley & Sons, 2005.